O Problema da educação superior é EaD?

Será?

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(*) Paulo Milet

No final de 2021, quando foi divulgado (com atraso por conta da pandemia) o censo do ensino superior de 2019, escrevi um artigo provocativo com o título: Que tal perder 2 milhões de alunos por ano? (abmes.org.br).

Lendo agora o censo de 2022, divulgado nessa última semana, vi que o problema relatado permanece grave (ou até piora).

Mas… parece que a grande revelação e repercussão do novo Censo foi que o ensino a distância (EaD) está crescendo de modo acelerado e descontrolado e que isso está sendo visto como problema!

Sério isso? A EaD não é problema! Problema é falta de qualidade no processo ensino/aprendizagem seja ele presencial ou à distância!   

Como eu atuo na área de EaD desde o início da década de 90 do século passado (!), antes mesmo da internet, com os CBTs (Computer Based Training) sei que funciona e bem! No mundo corporativo, focado em resultados,  essa dúvida nunca existiria, porque a preocupação é com a eficácia e produtividade para os clientes.

A EaD pode ser ruim ou excelente. Os resultados é que devem dizer isso. E se forem ruins, tem que ser melhorados, usando as melhores metodologias e tecnologias e não desativando ou  descontinuando o processo.

Esse foco no “problema da EaD” vislumbrado por alguns pelo censo 2022 fez com que autoridades e especialistas não percebessem que o censo aponta para um problema muito maior do que esse: A evasão, abandono, desistência que estão “disfarçados” nos números.

Vejam o quadro a seguir e meus comentários (os números estão arredondados para facilitar):

Parece que tem algo errado, não?

Se o ano de 2017 teve 8,290 milhões de matriculas, sendo que desses, 3,226 milhões foram novos ingressos e 1,201 milhão concluiram, então, logicamente, o ano de 2018 começaria com 7,089 milhões (8,290-1,201);

Se em 2018 ingressaram 3,446 milhões, o número de matrículas deveria ser de 10,535 milhões (7,089+3,446) e não 8,451, com um déficit de surpreendentes 2,084 milhões de alunos que desapareceram!

Isso se repete ao longo dos 6 anos analisados, onde, se somados os ingressos (22,7milhóes) e abatidos os concluintes (7,6 milhões), o número de matriculados em 2022 deveria ser de 15 milhões a mais que 2016 ou seja cerca de 20 milhões! Uma diferença de mais de 11 milhões ou quase 2 milhões por ano entre 2017 e 2022!

Onde foram parar esses 2.000.000 por ano?

Evadiram! Sumiram! Desistiram! Desapareceram!

Vamos focar nisso e na  melhoria das metodologias de ensino/aprendizado, sejam presenciais ou a distância e não em diminuir o número de alunos EaD?

Vamos ver outros números revelados pelo censo?

Comparando os ingressos de 2017 com os formados em 2021 (em 4 anos), temos uma boa informação:

Os dados da OCDE (estão na pesquisa) mostram uma aprovação de 82%!

Os dados do Brasil no mesmo período 2017/2021 mostram uma aprovação de 40%!  Deu pra entender? Dos 3.226.000 ingressantes em 2017, apenas 1.327.000 se formaram em 4 anos!

Comparando 2018 com 2022 o resultado é parecido = 37%.

O Mec/Inep divulgou os “indicadores de trajetória” com mais detalhes (quadro abaixo), então pode-se ver melhor que esse comportamento se repete ao longo dos anos. A coluna verde mostra o índice de conclusão e a vermelha o de abandono, considerando os ingressantes de 2013.

Uma perda de 60% (!) e isso não repercute, e parece que nem o Ministro da Educação percebeu ou foi informado. E ficam focando na EaD, que é parte da solução e não do problema.

Nosso problema a resolver é como evitar essa perda brutal de recursos com evasão, abandono, desistências, etc…

Mas, vamos ver mais algumas informações do censo: A maioria dos ingressantes presenciais  em 2022 foi para o período noturno! Por que será? Claramente tem a ver com horário de trabalho e renda. E agora vamos fechar vagas EaD e transformar em aulas presenciais? Pra quem? Qual vai ser a mágica para fazer os alunos EaD passarem para o presencial?

Não é muito mais fácil e óbvio melhorar a qualidade do EaD com metodologias e tecnologias que já existem e colocar mais alunos ainda?

Todas as melhores universidades do mundo usam EaD intensamente. Desde o advento dos cursos Mooc (online, grátis) em 2011, 2012, milhões de alunos no mundo inteiro já usaram e usam esses cursos e graduações completas com excelente aproveitamento.

A Heutagogia (autoaprendizado dos adultos) é uma ciência e a EaD um excelente instrumento. Vamos usar os métodos adaptativos e personalizados (adaptive learning), vamos usar o mastery e micro learning (pequenas lições com repetição até a absorção para aprender), vamos usar os serious games, Inteligência artificial, RA e RV e o que mais puder ser usado. Todos esses recursos estão disponíveis e não precisam de grande investimento. Como todo processo de melhoria contínua, as soluções se aplicam a volumes maiores e o custo diminui. A área privada parece ter feito o dever de casa e percebido como ampliar o número de vagas principalmente via EaD. A área pública (excelentes universidades) ainda não.

A área pública tem 11 alunos por professor no presencial e 34 na EaD (!), sendo 12 na média, atendendo 2 milhões de alunos. A área privada tem 22 alunos por professor no presencial e 171 na EaD, com 48 na média, atendendo 7,4 milhões de alunos.  Essa diferença de produtividade não chama a atenção? E se a área pública minimamente dobrasse essa produtividade (ficando ainda na metade da área privada) o número de alunos atendidos poderia ser de 4 milhões!

São mais de 22.000.000 de vagas! Temos apenas 9.440.000 alunos e não precisamos andar para traz em termos de tecnologia, precisamos andar para a frente em termos de qualidade, produtividade  e aprendizado como todas as organizações, governos e empresas tem feito nos últimos anos nas suas atividades.

Temos milhões de adultos que abandonaram os estudos por conta de horários, renda, descasamento com o mercado de trabalho ou outras dificuldades. Vamos trazer de volta! Para o presencial diurno? Nem pensar! Anytime, anyplace, lifelong learning, 40+, 50+, são as respostas. E com muito mais vagas na área pública, grátis e com EaD.

Uma última informação vinda do ENADE 2021: Os alunos dos cursos EaD tem uma avaliação pior do que os alunos do presencial – É verdade – Mas essa amostra é comparável? Fora o método presencial ou Ead, as outras variáveis são similares? Reproduzo aqui frase literal da apresentação ENADE: “Perfil predominante: os estudantes de cursos EaD são mais velhos, casados e trabalham 40 horas ou mais por semana”.

Deu pra perceber? Os alunos de EaD tem mais idade, casados e com famílias e trabalham mais que os alunos presenciais. Isso não justificaria notas menores? Parece óbvio. Tirar ou diminuir os cursos EaD apenas tiraria desse grupo a chance de concluírem uma graduação.

Vamos avaliar o mercado de trabalho, estudar as novas profissões e as mudanças nas profissões atuais causadas pelas novidades tecnológicas. Listo algumas: IA, IoT, Drones, impressão 3d, nanotecnologia, RA, RV, metaverso… Os professores tem que saber o que está acontecendo e “tentar” direcionar os alunos para as habilidades que serão necessárias.

Sempre com QUALIDADE!! Esse é o desafio!

(*) Paulo Milet é consultor em gestão, Inovação e EaD,  Presidente do Comitê de Educação do Instituto Coalizão, Diretor da RIOSOFT e TIRIO, formado em Matemática/ UnB, com pós em Administração Pública  pela FGV e CEO da ESCHOLA.COM.

Eles já são habitantes de Aranduland!

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